Redução do Medo
Gentileza e petiscos não reforçam o medo, reduzem-no
Por Patricia B. McConnell, PhD
É inevitável: quando acariciamos nosso cão enquanto ele tem um ataque de medo, vem aquela vozinha e nos diz: “Desse jeito você o está ensinando a ter ainda mais medo”. Mas, isto não é verdade.
Nos ensinaram que confortar um cão quando ele tem medo piora o problema. Parece lógico: seu cão ouve um trovão, corre para você e ganha um carinho. Pronto! Acabamos de reforçar seu comportamento de correr quando ouve um trovão e, pior ainda, de temer tempestades. Mas não é isso que acontece, e veja por que. Primeiro, nenhuma quantidade de carinho fará valer a pena para o cão ter um ataque de pânico. O medo não é bom para humanos nem para cães. A função do medo é mostrar ao corpo que já perigo e que o indivíduo que sente medo tem que fazer alguma coisa para que o perigo e, consequentemente o medo, ir embora.
Imagine que você está tomando sorvete e alguém tenta invadir sua casa no meio da noite. Será que o prazer de tomar sorvete “reforça” seu medo, deixando você com mais medo ainda na próxima vez? Na verdade, as coisas acontecem de outro jeito – você pode desenvolver um certo desconforto com o sorvete. Uma coisa é certa: você não terá mais medo se um ladrão aparecer no meio da noite porque você estava tomando sorvete na primeira vez que aconteceu.
Uma pesquisa mostra que acariciar um cão que tem medo de trovão não diminui o nível de estresse quando ele é acariciado. Se o estresse não diminui, como este fato pode ser recompensador? Antes de pensar que seu carinho acalma seu cão, note que: 1) eu não sou a autora da pesquisa; 2) meus próprios cães se acalmam quando os acaricio durante tempestades; e 3) eu não ligo para o que diz a pesquisa, me faz me sentir melhor, não faz mal algum e eu farei do mesmo jeito.
Estudando o Estresse
Brincadeiras à parte, é importante saber sobre o que trata o estudo. Os autores mediram a produção de cortisol, um hormônio relacionado ao estresse. Notaram que os níveis de cortisol não diminuíram quando os cães eram acariciados por seus tutores durante tempestades. (O fator mais importante na redução do cortisol era a presença de outros cães). Curiosamente, outra parte da pesquisa nos laços afetivos mostrou que embora os níveis de cortisol diminuam em pessoas quando estas interagem com cães, o cortisol não diminui nos cães no mesmo contexto. Mas, em ambas espécies, outros hormônios e neurotransmissores aumentam, como a ocitocina, prolactina e beta-endorfina – substâncias associadas a bons sentimentos e laços afetivos. Então, mesmo que acariciar seu cão não diminua o nível de cortisol associado ao estresse, é possível que algo de bom aconteça.
Por outro lado, não é possível que acariciar seu cão o fará ter ainda mais medo quando tiver outra tempestade. A afirmação que esta atitude deixará seu cão ainda mais medroso datam das décadas de 1930 e 1940, quando não se era de bom tom pegar crianças no colo para confortá-las. Este pensamento foi abolido há muito tempo por psicólogos, quando pesquisas deixaram claro que crianças que podem contar com os pais são crianças mais felizes, não dependentes e nem medrosas.
Uma Aproximação Clássica
O maior dano causado pela máxima “não acaricie o cão” não está relacionado às tempestades, mas às armadilhas de tentar explicar o contra-condicionamento clássico (CCC). CCC pode ser uma maneira muito eficiente de mudar um comportamento, já que muda as emoções que ocasionam este comportamento. Um exemplo típico aplicado em comportamento animal é ter visitas dando petiscos a um cão que tem medo de estranhos.
Alguém pode perguntar “Mas dar petiscos ao cão quando este late e rosna não tornará o caso pior? Ele não será recompensado por latir e rosnar?”. A resposta é: Não, não se este comportamento é ocasionado pelo medo. Lembre: medo não é legal e um pouco de comida, não importa quão gostosa é, não diminuirá o desejo do cérebro de evitá-lo.
Jogar petiscos (ou brinquedos) para um cão com medo pode ensiná-lo a associar a aproximação de estranhos a algo bom, desde que os petiscos sejam realmente bons e o estranho esteja longe o bastante para evitar inibir o cão. CCC é uma das ferramentas mais importantes de um comportamentalista, mesmo sendo difícil convencar as pessoas de usá-lo. Parece que estamos recompensando um cão por se comportar mal, e na nossa natureza punitiva, em nossa sociedade “você tem que ser dominante sobre o cão”, é difícil para algumas pessoas fazê-lo. Mas é exatamente o que fiz quando ajudei minha Border Collir Pippy Tay, quando ela desenvolveu medo de tempestades.
CCC é uma das muitas maneiras que podemos usar para ajudar um cão com medo de trovão. Eu uso algumas das técnicas descritas abaixo com sucesso, sejam sozinhas, como no caso da Pippy Tay, ou combinada com outros métidos: terapia de ferormônio, slings, acupuntura, acupressura, mudança na dieta e, em casos mais sérios, com medicação. Se seu cão tem medo de trovões, você faz bem em consultar um comportamentalista ou veterinário comportamentalista para lhe dar assistência e ajudar a escolher o melhor método para você e seu cão.
Petiscos Trovão
Eu e Pippy corríamos e jogávamos bola toda vez que uma tempestade se aproximava. Pip adorava jogar bola e eu queria que ela associasse os sentimentos que ela tinha quando brincava com a baixa da pressão no barômetro. Quando a tempestade caía, entrávamos e eu lhe dava um pouco de carne sempre que ouvíamos um trovão, não importando como Pip se comportava. Não estava preocupada com seu comportamento; eu me focava nas emoções que causavam o comportamento.
Até coloquei o trovão como comando. “Oh, Pippy, você vai ganhar petiscos trovão!”, dizia toda vez que ouvíamos o trovão. Estas palavras foram inventadas às três da manhã mas, por dois verões, eu mencionava “petiscos trovão”, abria a gaveta ao lado da cama e lhe dava petiscos depois de cada trovão. No fim do verão, Pip parou de arranhar meu rosco na tentativa de cavoucar minha boca para se esconder da tempestade. Ela passou a dormir durante tempestades moderadas, sem nem mesmo acordar para pedir petiscos. Ela vinha a mim quando o barulho era muito alto, mas demonstrando pouco medo.
Com a melhora da Pip, me condicionei em outra direção. Comecei a não gostar de tempestades, porque até mesmo a mais silenciosa delas significava que eu tinha que ficar acordada tempo o bastante para lhe dar petiscos depois de cada trovão. Agora que Pip se foi, parece que terei que fazer tudo de novo com Lassie, minha outra Border Collie, de 14 anos, que também tem medo de trovão. Hunf. Talvez eu deva me dar um pedaço de chocolate toda vez que eu der um petisco para Lassie!
O Medo é Contagioso
Eu seria negligente se não mencionasse o modo como você pode piorar o medo do cão, que é você mesmo ficar com medo. O medo é tçao persuasivo que é fácil de espalhá-lo. “Contágio emocional” é o termo etológico usado para descrever a difusão do medo dentro de um grupo, e é uma ocorrência comum em espécies sociais. Se você quer que seu cão tenha medo de trovão, estranhos ou outros cães, é só você ficar com medo destas coisas. Se você tem medo de trovão, é totalmente possível que seu cão pegue isso e fique mais nervoso.
Mas, se você tem medo, nem tudo está perdido. Vcê pode acalmar as coisas se concentrando em seu corpo – diminuir sua respiração e seus movimentos, mudar sua postura para uma mais confiante e relaxada e falar devagar e calmamente. Estas ações tem o efeito benéfico de alterar tanto suas próprias emoções como as de seu cão. Quanto mais calmo você estiver, mais calmo seu cão se sentirá.
Eu tinha isso em mente quando disse “Oh, Petiscos trovão!” e dei a Lassie petiscos do criado mudo. Eu tinha muito mais razões para ter medo que ela – ela não sabia que o porão estava inundando, a água estava ameaçando o estábulo e as rodovias estavam cheias de água. Tudo que ela sabia era que a cada trovão ela ganhava um pedaço de frango e achava que era um jogo bacana. Ela acalmou logo, enquanto eu fiquei acordada por horas. Acho que é mesmo hora de eu colocar um pouco de chocolate no meu criado mudo. Se, na próxima vez que meus amigos me virem, notarem que eu ganhei um pouco de peso, eles saberão que foi por causa da tempestade de verão.
2 comentários:
Muito legal este texto da Patricia McConnell. Aliás, qual não é? Sou fã dela de carteirinha! :)
[b]Acho que a maior dificuldade das pessoas deve ser diferenciar a motivação da agressividade no cão...[/b] Eu também "protegeria" um cão agressivo, motivado pelo medo, mas não um motivado pela posse ou dominação.
Enfim, a solução é a busca pelo conhecimento, porque educar não é uma tarefa fácil! :)
Beijos!
Oi Camilli!
Pois é, a Patricia McConnell é demais mesmo! Fãzona dela e de tudo que ela escreve!
Educar não é fácil mesmo! Nem caninos, nem humanos. Nossa sorte é que pesquisamos, lemos e procuramos colocar em prática aquilo em que acreditamos =)
Este texto do medo é ótimo e, com certeza, pode ajudar muita gente =)
Beijão!
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