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sexta-feira, 8 de julho de 2016

Será que ignorar um mau comportamento funciona?

Nem sempre. E ignorar um comportamento não é uma parte importante da educação dos cães.
Muitos dizem que quem usa o método do reforço positivo para educar os cães só ignora o mau comportamento. Mas isso é um mal entendido, típico de quem confunde o treino dos cães com punição. Se alguém acha que um adestrador que usa reforço positivo não faz nada para diminuir um comportamento, então ignorar é a única opção. Mas não é bem assim.
Ignorar um comportamento indesejável não é algo de extrema importância na educação pelo reforço positivo. O que fazemos, na verdade, é evitar que um comportamento indesejado aconteça e, se acontecer, o interrompemos desde o início. Ou você acha que só ignoramos quando um cão pula em uma pessoa idosa ou em uma criança pequena? Se um cão repete um comportamento, ele tende a ficar mais forte, então deixar que o cão pule sem interromper a ação não adianta nada. Digamos que você acorda domingo e seu cão pula em você. Na segunda você acorda e ele também pula em você. Na terça e na quarta também. O que você acha que vai acontecer na quinta-feira?
Ignorar um comportamento faz parte de um plano de treino, mas é feito de forma controlada e em conjunto com um comportamento incompatível (um cão não pode pular e sentar ao mesmo tempo, por exemplo).
O lado ruim de ignorar um comportamento é que isso é muito difícil de se fazer. Mas lembre-se que você não vai apenas ignorar um comportamento, mas vai trabalhar para ensinar algo que você ache melhor para que ele deixe de fazer aquilo que não é legal.
Por quê só ignorar não funciona?
1. Não dar atenção a um comportamento achando que ele vai simplesmente desaparecer é acreditar que a atenção é a única recompensa para aquele comportamento. Pular é um exemplo clássico. Se a gente só ignorar um cão que pula, dando as costas pra ele, ele vai continuar pulando, mas nas nossas costas. O problema é que os cães gostam de pular, então o pular em si já é uma recompensa para eles, você dando ou não atenção. Ignorar um cão assim, não vai te levar a lugar nenhum.
2. Se o comportamento continua por causa de atenção, não conseguimos aguentar por muito tempo ignorando o cão. Aqui vamos usar o latido como exemplo. Seu cão late assim que você senta para comer. Geralmente você dá um pedacinho de comida pra ele. Um dia você decide que já chega. Você já cansou dessa latição toda e decide que não vai mais dar nada pra ele enquanto estiver comendo. Será que você consegue? Mesmo seu cão estando confuso e fazer aquela carinha de esfomeado, olhando para você? Ele só quer um pedacinho de queijo e, fala a verdade, você gostava de dar o queijo pra ele. Se você ignora a latição por 45 minutos e desiste e dá logo o queijo “porque não aguenta mais”, você perdeu. Estes 45 minutos serão seus inimigos, afinal, você ensinou seu cão a ser super persistente. Mesmo que você ignore por mais tempo na próxima vez e não dê o queijo… o que dizer de outras pessoas que vivem com você, os amigos e parentes que vêm te visitar? Eles vão fazer isso, sempre? E outra: isso é justo para o cão? Ele está apenas fazendo um comportamento que sempre foi recompensado antes e agora, de repente, não funciona mais.
3. Achamos que estamos ignorando, mas há uma “recompensa ilícita”. Esta é uma ramificação do número 1. O comportamento pode não ser auto-recompensador, mas há um a recompensa disponível, que não controlamos. Digamos, estou ensinando o “fica”. Ele sai da posição e vem na minha direção e eu o ignoro. Então, ele vai cheirar a grama. Nada produtivo ter ignorado o cão: ele foi recompensado por ter ido cheirar a grama!
4. Ignorar não ensina qual é o comportamento que desejamos. Quando mudamos um comportamento, precisamos ensinar um novo para ficar no lugar daquele outro. Se deixamos por conta do cão, vamos acabar com um comportamento ainda pior que o original. Então, ao invés de simplesmente ignorar o que não gostamos, é mais eficaz e mais humano ensinar um comportamento diferente e fazer o cão praticá-lo. Quando queremos eliminar um comportamento que encaramos como um problema, interferimos em algo que funcionava para o cão. Para sermos justos, ensinamos ao cão o novo comportamento e nos certificamos que este seja mais recompensador que o anterior.



As dificuldades quando precisamos ignorar
O número 4 diz que, algumas vezes, podemos ignorar um comportamento quando recompensamos outro. É aí que ignorar o comportamento ajuda no processo de educação. Mas ignorar é complicado.
O que é ignorar? Mesmo quando precisamos ignorar um comportamento como parte da educação, pode ser difícil pra caramba. Quando estamos lidando com comportamentos que são feitos em parte por causa de atenção, qualquer tipo de atenção será encarada como recompensa. Os cães nos leem muito bem. Se ele está pulando em você e te arranha, você dá um grito. Isso não é ignorar e pode ser encarado como recompensa. Se o filhote está incomodando seu cão mais velho enquanto você dá atenção a ele, você afasta o filhote. Isto também não é ignorar e pode ser encarado como recompensa e pior: ele pode achar que você está chamando-o para brincar. Até olhar para o cão é encarado como recompensa. E acredite: é super difícil para de olhar para o cão. Se for preciso, abra um livro mas não olhe para ele!
A dica é: trabalhe comportamentos alternativos (incompatíveis) e recompense-os muito! Ignorar o mau comportamento faz parte do plano, mas apenas se você ensinar o que é certo também.
Não recompensar não é ignorar
Quando ensinamos um novo comportamento e não recompensamos aquilo que não atinge o esperado, não estamos ignorando. Na maioria dos casos, nossa atenção está totalmente voltada para o cão. Sim, é verdade, nossa atenção pode ser uma forma de recompensa, mas seu poder é ofuscado pela recompensa melhor que usamos quando ele faz aquilo que queremos. Atenção + comida (ou brincadeira) é uma recompensa muito melhor que só a atenção. Por isso que uso comida e brincadeira quando educo.



Quando ignorar é bom
Alguns cães chegam em nossas casas tão assustados que ignorá-los é benéfico. Isto vai contra nossos instintos, de tentar acolher. Isso é muito comum de acontecer quando adotamos um cão adulto, um filhote de fábrica de filhotes, um cão que sofreu abusos: queremos lhe dar amor. Mas essa nem sempre é a melhor solução. Ignorar pode inclusive dar mais confiança ao cão.

Usando o exemplo do Pistache. Ele chegou para mim já adulto, veio de um lugar onde conhecia todo mundo, e chega em outro lugar onde não conhece nada e nem ninguém. Normal ficar com medo. O que eu fiz? O ignorei. Por dois dias. Foi extremamente difícil, mas isso deu a ele uma confiança absurda na gente, foi se tornando mais seguro do ambiente em que vivia e se soltou. Hoje, é um cão confiante e sabe que pode contar comigo em qualquer situação. 

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