Hoje em dia já não se cogita mais falar que o cão é dominante sobre o dono, simplesmente porque não há dominância entre espécies diferentes. O que existe é que o cão não sabe como se comportar naquele contexto, seja porque não foi devidamente socializado naquela situação ou por não conseguir lidar com ela (não foi educado). Mas isso não significa dominância. Então, quando alguém falar que o cão faz determinado comportamento porque quer dominar os donos, não é verdade. Pesquisas recentes já indicam que isso é uma maneira simplista de explicar algo mais complexo, que requer estudo.
Exemplo: o cão pula no dono. Em uma visão mais simplista, alguém poderia dizer que ele faz isso porque é dominante, porque quer te dominar, porque te vê como um subordinado e por aí vai. Mas não se chega a conclusão alguma sobre o MOTIVO que leva o cão a pular. Ele está recepcionando o dono? Está excitado? Está chamando atenção? Querendo brincar? E não: ele não está sendo dominante.
Outros comportamentos que a maioria das pessoas atribuem à dominância:
1. Morder / agressividade, principalmente direcionada às pessoas de casa
2. Puxar a guia
3. Fazer xixi/coco pela casa, principalmente quando é na nossa cama
4. Roer objetos
5. Pular nas pessoas, colocar a pata em cima
6. Não vir quando chamado
7. Pedir comida
8. Passar primeiro na porta
9. Dormir nos móveis
10. Roubar lixo/roupas
Estes são mais problemas de uma falta de orientação do dono sobre qual é o comportamento adequado para que o cão conviva bem na nossa sociedade humana. Se ele pula nas pessoas é porque nunca aprendeu que, para recepcioná-las, o mais adequado seria sentar; se ele não vem quando chamado não é porque está testando nossa liderança, mas será que ele foi educado para tanto, ou está entretido com outra coisa e não o ouviu? E assim por diante.
Existem também muitos mitos relacionados à dominância.
1. O dono é visto como parte da matilha: impossível, já que uma matilha é composta por indivíduos da mesma espécie e o cão não nos vê como outro cão. Além do mais, temos muita dificuldade em entender e nos comunicar com nossos cães, já que nossa linguagem é diferente.
2. O cão alfa é agressivo e encrenqueiro: mentira. O cão alfa é seguro de si, não briga, não rosna, divide as suas coisas quando quer.
3. O cão alfa nasce alfa: isso não é algo que nasce com o cão, depende de outros fatores, como experiências passadas, tamanho, peso, aptidão física, relações sociais, mudanças ocorridas com a idade etc.
4. O dono deve agir como alfa para ter um cão comportado: como dito antes, não há possibilidade disso, já que a hierarquia de dominância (termo correto) só ocorre entre indivíduos da mesma espécie.
5. É válido o dono se impor ao cão pela força: isso pode se tornar perigoso e é inadequado para os cães e nosso relacionamento com eles, além de poder causar desvios comportamentais por medo, o que indica que a técnica não funciona.
6. Disputas entre cães da casa são motivadas pela dominância: há regras hierárquicas entre os cães da mesma casa. Um cão pode reivindicar prioridade em certas coisas (carinho, brinquedo, lugar para descansar), mas o faz por meio de olhares ou com um rosnado baixo, sem brigar. Algo comum que vemos em casas que têm mais de um cão é: um dos cães ser o líder no acesso aos brinquedos, mas o outro o é no lugar para dormir. Claro que cabe a nós, donos, impormos limites e socializarmos muito, muito, muito bem nossos cães (um cão mal socializado tende a brigar mais e por qualquer coisa).
7. Brigas com cães desconhecidos são devido à dominância: isso acontece porque eles não conhecem a linguagem um do outro (problema que pode ser evitado com a... socialização!).
8. O cão dominante disputa para acasalar com a fêmea: quem já viu cães de rua, sabe que isso não é verdade: é a fêmea quem escolhe com qual macho irá acasalar.
9. Fêmeas no cio brigam por disputa hierárquica: isso se deve pelos hormônios que circulam na fêmea nesta época, deixando mais agressiva. Ou seja, é fisiológico.
Hoje em dia já está mais disseminado que somos como pais para nossos cães, e não "alfas". Por isso que a educação canina hoje é sem castigo: ignora-se o mal comportamento e recompensa-se o desejado. Nada de utilizar da força física, mas sim da nossa inteligência. E assim conseguimos ensinar tudo o que queremos de boas maneiras aos nossos cães, sem precisarmos brigar, gritar, puxar a guia, bater, e tantas outras coisas que vemos por aí.
Quando nos relacionamos como pais com os nossos cães, torna-se muito mais natural sua educação (e mais agradável) do que se nos considerarmos líderes
Então, o que é preciso para educarmos nossos cães? Até pouco tempo atrás, acreditava-se que precisávamos ser dominantes perante eles, usarmos de força física, métodos coercivos, punições. Até hoje vemos muitos cães sendo "educados" com trancos na guia, beliscões, chutes, choques... Quando um cão aprende por meio destes métodos, ele responde aos nossos comandos por MEDO, para evitar algo desagradável. Você gostaria de aprender assim? O certo é educarmos nossos cães com paciência, consistência, premiando o bom comportamento e ignorando o que consideramos errado (mas prevenir que o errado aconteça é melhor). Para isso, todos que vivem com o cão devem ser consistentes quanto às regras. O cão pode subir no sofá? Pode entrar nos quartos? Se não houver uma regra clara, não podemos culpar o cão por fazer o que não queremos (mas que outra pessoa que mora com a gente deixa-o fazer).
Outro aspecto positivo quando usamos de nossa inteligência e não força bruta é que o cão fica muito mais confiante: aprende mais rápido, fica mais relaxado em variadas situações e é um cão mais fácil de se conviver. O processo de educação começa com o cão ainda filhote: proporcionando socialização intensa (pessoas, ambientes, animais, cães, objetos, barulhos) e obediência básica ("senta", "fica", "vem"), que nos ajudam a controlar o comportamento do cão.
Existe ainda mais a ser abordado sobre este assunto, principalmente sobre os métodos usados para se educar (e até mesmo brincadeiras) baseados na teoria da dominância, mas fica para um próximo post.
Se quiserem saber mais sobre o assunto, recomendo a leitura destas matérias:
http://caosciencia.blogspot.com.br/search?q=domin%C3%A2ncia
http://www.dogstardaily.com/search/node/dominance
Fonte: livro "Culture Clash", site do Dr. Ian Dunbar e revista "Cães e Cia"